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Festival de Avignon – O terrorista Zizek quer que façamos algo

“O esloveno Slavoj Zizek lançou bombas em Avignon. Outra coisa não seria de esperar do provocador nato e fi lósofo-estrela que fundou a Sociedade de Psicanálise Teórica de Liubliana, à qual preside. Diz que ainda vamos a tempo de mudar o destino. Basta agir rápido e sem medo, atentos ao que existe na palavra comunismo: o que é comum

 Tiago Bartolomeu Costa, em Avignon

Slavoj Zizek acha que ainda vamos a tempo, que ainda não chegámos ao “ponto zero da catástrofe”. E, da mesma forma que acreditamos que o destino reconstrói retrospectivamente a nossa vida – “como quando estamos apaixonados e dizemos ter esperado a vida toda por essa pessoa” – também é possível “antever a catástrofe, para a evitar”. O seu papel, diz, é o de “problematizar, alertar e explicar”.

Foi o que veio fazer ao Festival de Avignon, na segunda-feira. A conferência, intitulada Como Sair da Catástrofe?, foi a oportunidade para Zizek, marxista e ateu, reconhecer o fi m da utopia comunista, abraçar a herança judaico-cristã europeia, e dizer que acredita em milagres. Mais: que há um destino que pode ser alterado.

“Ainda não chegámos lá”, repetiu várias vezes. “Mas já todos nos comportamos como se fosse um dado adquirido, como os gatos dos desenhos animados que continuam a andar mesmo depois de ter acabado o precipício.” Por isso, acha também que deveríamos assumir, por inteiro, o que significa catástrofe: “o ponto onde tudo se torna verdadeiro”.

Integrado no programa Thèâtre des Idées, conduzido por Nicolas Truong, Zizek defi niu os problemas aos quais deu o nome de “quatro cavaleiros do apocalipse”: a ecologia, a biotecnologia, a propriedade intelectual e as novas formas de apartheid. A partir destes elementos desconstruiu o modo como estamos a pensar o mundo.

Falou de uma ideologia ecológica culpabilizante que “produz bons sentimentos mas poucos resultados práticos” e disse mesmo que, se fosse terrorista, seria na Starbucks – a marca americana de lojas de café, “mestre do consumo ideológico”– que colocaria uma bomba.

“Fazem-nos pagar um preço mais elevado pelo café, garantindo que o nosso pecado consumista será redimido pelo apoio que prestam às causas para as quais não temos tempo”, defendeu.

“Não levantamos questões sobre como mudar de hábitos e produzir soluções, mas aceitamos entrar num jogo de culpabilidade sedutor, reciclando o jornal e a garrafa”, exemplifi cou. “Estamos num tempo de revolução, não num tempo revolucionário. São precisas soluções práticas”, pediu.

Disse que era hoje possível inventar, em laboratório, coisasque só se imaginam na fi cção científica, “mas quando se pede um por cento dessas verbas para o sistema de segurança social, diz-se que não é possível”. Falou da artificialização dos mecanismos de integração social, como as séries de televisão que colocam gargalhadas nos lugares onde devemos rir, “aliviando-nos a pressão quotidiana”. E, por isso, se admite que “o comunismo, tal como o vivemos no século XX, morreu”, também acredita que aquilo que não morreu é o que está contido na expressão “comunismo”: o que é comum.

E, por comum, Zizek não fala de comunidade – não acredita quepossam existir “comunidades sem exclusão” – mas em “colectivo”.

“Aquilo que é a substância da nossa vida não deve ser privatizado”, disse, dando o exemplo de Bill Gates: “Ficamos fascinados por ele ser o homem mais rico do mundo, mas esquecemo-nos que o é porque privatizou algo que nos é fundamental e comum: a comunicação. Agora, para escrevermos a alguém temos que passar pelo sistema que ele inventou.”

E a solução para a crise, mesmo que alerte não ter “uma fórmula mágica”, passa não por resolver os problemas mas por “reflectir sobre o modo como os problemas surgiram”.

 

Fórmula capitalista

“O que é feito das grandes questões da juventude?”, perguntou. “Perguntávamo-nos se conseguiríamos ultrapassar o Estado, e mesmo viver sem ele. Perguntávamo-nos se, um dia, todos os países seriam comunistas.” Hoje, órfãos que estamos de Francis Fukuyama [que decretou “O fim da História” em 1989] Zizek, “cretino, mas não um cretino total”, acha que “a maior parte da esquerda radical é fukuyamista.  Ou seja, aceita o sistema capitalista sem o pensar realmente”.

E usou o exemplo do protestantismo, a fórmula capitalista do cristianismo, para explicar o capitalismo: “O capitalismo é um sistema dinâmico que nos obriga a agir o tempo todo.

Assim sendo, não nos deveríamos sentir imobilizados, mas impelidos a agir o tempo todo.” É um paradoxo: “É o sistema mais produtivo e dinâmico da História mas não pode ir até ao seu limite, porque deixa de ser uma democracia.” “O capitalismo não é a democracia, porque, se é uma democracia, não é capitalismo”, como na velha anedota de Lacan:

“A minha noiva não está atrasada porque, se estiver atrasada, já não é a minha noiva”.

Zizek acha que não estamos a olhar para os sítios certos, nem a considerar todas as formas de capitalismo. Sugere, por isso, que pensemos como Hegel numa ideia de totalitarismo: “O totalitarismo hegeliano não propõe uma harmonia, mas antes que, para falarmos de um fenómeno, observado na sua totalidade e na sua definição, devemos ser atentos aos desvios e às tangenciais”. E pede que olhemos para o que se passa na China, em Singapura, no Congo. “A crise é o capitalismo global e os seus limites”, acrescentou.

“Estamos limitados pelas nossas perspectivas ocidentais” e “o nosso cepticismo é falso”, afirmou. “Os milagres acontecem”, deitou numa nota de esperança: “Olhemos para o que passou no Egipto”. Só não podemos ter medo, como na cena final de A Noite Americana, de François Truffaut, onde o herói, depois de tanto insistir com a rapariga para fazerem amor, quando ela aceita fazê-lo ali no carro, fica cheio de medo e diz: “Mas assim, agora?”.

Agora, disse Zizek.”

Ouça a conferência do filósofo Slavoj Zizek http://blogues.publico.pt/avignon2011 

(artigo disponível em Caderno P2, Público, de 13 de Julho de 2011, pág. 6/7)

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